Onde tudo é tradição!
Quarta-feira, 27 de Julho de 2005
Ás&Bisca

As reformas e pensões....
- Ora, até que enfim que o encontro, compadre Bisca!!!
- Caro compadre Ás, atão vocemecê é que nim por cá aparece e óspois diz que eu é cando desaparecido!
- Olhe, a doutora mandou-me fazer umas análises e tenho andado de cá para lá, que até já me passou a doença e tudo!
- Imagino! Com a carteira mais leve até o compadre anda melhor!...
- Mas conte-me o que é que tem feito!
- Olhe, compadre Ás, ando muito desiludido. Se não fossem as festas que por aí têm aparecido acho caté já tinha desfalecido
- Não me diga que ficou com saudade dos burros da serra!...
- Bom, lá isso gostei! Atão nã é que o nosso compadre presidente sabe guiar bem aquela coisa?! Tem jeito para a arreata!!!
- É preciso saber de tudo um pouco!
- Olhe, eu inté lá fiz uma cantiga cando o vi assentado im cima da besta: Arreata, pum, pum, arreata pum, pum, arreata ó teu burrico
.
- Afinal vocemecê até está contente
- É sol de pouca dura, compadre, e vou-lhe contar porquê.
- Conte lá
- Ando triste. Ê já nim compro o jornal, mas lá vou lendo as maiores das primeiras páginas, ali do café. Ele é o nosso ministro das Finanças a receber uma pensão do catano, ele é os gestores dos hospitais com ordenados de luxo, ele é os autarcas da capital a receber fora da lei, ele é brutas carros prós presidentes disto e daquilo, ele é carros prós condutores dos bruta carros, ele é eu sei lá o caraças
- Não se enerve, compadre, não se enerve, que essa linguagem já me parece que vocemecê está a ficar exaltado
- Qual exaltado! Indignado!
- Mas porquê? Porque eles ganham muito? Vocemecê é que ganha pouco!
- Ora aí é que bate o ponto. Eu pus-me aqui a falar ca nha Jaquina e então chegámos a uma acordo. Ela que já domina ali o computador fazia as contas e eu ditava: umas oliveiras na serra, um bocadito ali na Quinta dos Aciprestes, otro bocadito ali no Pobral, a trotinete, mais umas coisitas e assim chegámos à conclusão qu inda temos um dinheirito para entregar ó stado
-E então? Estou curioso!
-Atão é muito simples! A gente vai a Lisboa saber canto é que o nosso ministro das Finanças descontou para ter aquela reforma lá do Banco de Portugal e ê, que sou tã Português como ele, quero entregar o mesmo dinheiro para arreceber uma reforma igual
.
-Ó compadre, vocemecê não é burro de todo
-Atã pois! A gente entrega o mesmo que muitos desses compixas entregaram e certamente temos que ter os mesmos direitos
- Ora toma! Bem pensado!!! Arre, burro!!!
in: Jornal Serras de Ansião, Julho 2005, António Simões
FONTE

Ó fonte que estás chorando
Junto ao rio do Pessegueiro
Onde o rouxinol bebe
E depois vai p'ró loureiro!
1.
Que pitoresco lugar!
É obra da Natureza
Que encarregou a Beleza
Para o lugar adornar.
Não foi artista vulgar
Que te esteve preparando
Nem arquitecto mostrando
Ao vulgo, talentos seus.
És obra filha de Deus,
Ó fonte, que estás chorando
2.
Em noites de solidão
Quando eu em sonhos te vejo,
Eu louco, mando-te um beijo
Nas asas da viração.
Na noite de S. João
Toda és perfume e cheiro.
Com os cravos do craveiro
Fazem-te um arco, e com rosas
Há palavras amorosas
Junto ao rio do Pessegueiro
3.
Junto à torrente do rio
Formas sereno ribeiro
Que banha o Pessegueiro
Nas lindas noites de Estio.
O melro, com o assobio,
Dá-te aspecto mais alegre
Vem bafejar-te ao de leve
A brisa, que é tua amiga
Quando termina a cantiga
Onde o rouxinol bebe.
4.
Dos bosques, o trovador,
Em noites quentes, de prata,
Vem dar-te uma serenata
Em hinos cheios de amor.
Solta trinados sem dor
Pousadinho no loureiro,
É teu fiel companheiro
Nas horas de solidão,
Dá-te um beijinho ao serão
E depois vai p'ró loureiro
............
de: João Gonçalves (João do Lagar)
.........
Esta décima contém uma carga enorme de romantismo revelador de uma grande sensibilidade amorosa e comunhão com a Natureza. Poderá hoje ser um hino de qualquer grupo ecologista.
O RIO
Belo rio do Pessegueiro
Mereces mil atenções
Onde canta o rouxinol
Suas alegres canções.
1.
És a mais bela paisagem
Da nossa localidade
Quando há brisa suave
Perfumada pela aragem
À sombra dessa ramagem
Que nos dá o carvalheiro
Voando para o loureiro
Se vê a passarinhada
Tens um aspecto de fada,
Belo rio do Pessegueiro!
2.
De verdura matizadas
Estão as tuas duas beiras
Que é onde as lavadeiras
Estendem as roupas lavadas
As que são mais descuidadas
Lá ficarão sem quinhões
Até se jogam questões
Por causa do estendedouro
E das pedras do lavadouro.
Mereces mil atenções.
3.
Ao teu lado, a soluçar,
Fonte de água cristalina
Onde vai muita menina
Sua sede saciar
O seu rosto vão lavar
Antes do nascer do Sol
Quando a brisa pouco bole
Nas noites de S. João
Nas lindas noites de Verão
Onde canta o rouxinol.
4.
Devia-te ter reparado
A Câmara Municipal
E dispôr de algum capital
Que estás muito danificado
Devias ser alargado
E merecias ter brazões
Com essas reparações
As lavadeiras gozavam
E pressurosas cantavam
Suas alegres canções.
..........................
de: João Gonçalves (João do Lagar)
Esta décima parece ser uma das primeiras feita pelo autor porque ainda não se nota muita perfeição de métrica.
Quem poderia imaginar nesse tempo que "a mais bela paisagem da nossa localidade" estivesse hoje tão degradada e que o progresso pudesse contribuir para esvaziar de qualquer poesia aquele lugar?
Segunda-feira, 4 de Julho de 2005
À FONTE DO MURTAL

**MOTE**
Havia uma fonte afamada
D'água fresca e saborosa
Que hoje está abandonada
Sob a sobreira frondosa.
--1
Do lugar em que nasci
Relembro-me com saudade,
Troquei-o pela cidade,
Mas nunca mais me esqueci
De tudo o que lá vivi.
Sua gente era animada,
Mesmo que pouco abastada;
Da terra tirava o pão;
P'ra dar água à região
Havia uma fonte afamada.
--2
Desciam as mães co'as filhas
Por um estreito carreiro,
No domingo soalheiro;
Nas cabeças as rodilhas
Para assentarem as bilhas;
Gente bonita e vaidosa
Em conversa rumorosa,
Pelo carreiro subiam,
Depois que as bilhas enchiam
D'água fresca e saborosa.
--3
À minha terra voltei,
Depois do mundo rodar;
P'rá minha sede matar,
P'rá fonte me encaminhei;
Com surpresa, não escutei
Nenhuma voz animada,
Só o rumor da levada,
Vindo do sopé do monte...
Solitária voz da fonte,
Que hoje está abandonada.
--4
Com sofreguidão, bebi
D'aquela água fresca e pura;
Senti profunda amargura
De ninguém mais ir ali.
Bebida de javali,
Tornou-se a fonte mimosa,
E, da gente valorosa
Que outrora por ali vinha,
Restou a lembrança minha,
Sob a sobreira frondosa. "
de: Trovador Tímido